Esta semana numa conversa telefónica daquela que tenho com aqueles amigos de anos e anos a quem digo tudo e verdadeiramente o que penso (o que normalmente não faço) falávamos de homossexualidade.
- Não consigo perceber. Nem imaginar, caramba!
- Pois a mim não me perturba nada. - respondi enquanto me ria - Não percebo o que é que pode ser tão confuso.
- sim, eu sei, mas tu tens uma mente muito à frente!
Sempre fui mente aberta e como já lhe conhecia a "estranheza" ri-me e disse que a maioria das pessoas são como eu, só para o espicaçar.
- Mas pensa bem, nem é anatomicamente tão funcional.
- Dizes tu. E então?
- Não sei. Faz-me mesmo confusão. Não é por serem diferentes. É porque não percebo. Há tanta mulher. Sete mulheres para um homem, vê só.
- Eu sei e sem querer julgar a tua opinião, acho que devias mesmo fazer um esforço por tentar ver as coisas de outra forma. Gostos são gostos, embora eu ache que isto é mais do que uma questão de gosto. Mas mesmo que fosse só gosto... Há quem goste de outras coisas e depois não é só por ser mais saudável comer maçã que não há quem só coma hamburguers.
- Realmente tu és demais! - ri-se - Só tu é que explicavas a coisa dessa forma. Há muitas maçãs... Pois, tens razão.
- A mim não me faz confusão nenhuma. Até tenho dificuldade em perceber o que te perturba, embora faça um esforço por saber que estás a ser sincero e que não maltratas ninguém apesar do que pensas.
- Ah, não, claro! Eu até vou ao café com eles e trabalho na boa com eles, mas não percebo. E depois são tão afetados.
- Não são nada! Há as pessoas que são e as que não são. Também há mulheres assim e outras que não são. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. E de resto também não te pões a imaginar o que os teus colegas de trabalho fazem quando estão com alguém, porque é que havias de o fazer com eles?
- Ui... Às vezes até ponho...
- Sim, estou a ver! Mas não devias. O que cada um faz da sua vida privada não nos diz respeito sejam quais forem as suas opções sexuais. Daí serem privadas.
Nada desta conversa foi novo e ambos conhecíamos previamente a posição do outro quando começamos a falar. Aliás, tentei não o recriminar pelo que estava a dizer, uma vez que só sendo realmente honesto comigo me dava a hipótese de deixar a semente da minha posição na cabeça dele.
O estranho é que quando desliguei o telefone dei por mim a pensar que de fato a falta de compreensão gera estranheza, afastamento e às vezes violência e que ao longo da minha vida sempre tinha visto as coisas a decorrerem assim.
Senti-me uma afortunada por desde miudinha me ser tão fácil aceitar o que era diferente e discriminado, mesmo sendo eu uma igual e bastante convencional até.
Quando eu andava na escola primária falava-se ainda muito da discriminação das pessoas de cor negra. Como vivia numa cidade do interior, as pessoas de cor eram muito poucas, mas as que conheci eram para mim simplesmente pessoas e nunca acreditei realmente que pudesse haver outra forma de as olhar. Só muito mais tarde é que percebi que essa discriminação era real e vivia dentro das pessoas com quem me relacionava. Com doze anos dizia que queria namorar uma pessoa de cor só para perturbar os meus amigos. Agora, por brincadeira, costumo dizer que foi por isso que não deu certo. Nunca cheguei a namorar nenhum.
Claro que esta é uma visão muito inocente do papel de cada um de nós na educação para a igualdade e que só neste comentário já estou a desrespeitar, mas na altura (e se calhar agora) já era bem mais do que a maioria conseguia aceitar.
Passado uns anos, agora com uma irmã mais nova que começa a partilhar os mesmos locais da "noite" comigo, um dos meus amigos perguntou-me o que faria se a minha irmã me aparecesse com uma namorada.
Ri-me de verdade por estar mesmo a ver que a resposta que eu lhe ia dar não era de todo a que ele esperava até porque tem uma irmã pouco mais nova do que a minha.
- Achava muito bem. Não vejo qual o problema. É algo que ainda não aconteceu na nossa família. Alguém vai ser o primeiro.
- Estás a falar a sério? Diz lá que não te fazia confusão veres a tua irmãzinha...
Voltei a sorrir e mordi o lábio tentando avaliar o quanto seria justo e adequado dizer-lhe. Embora o conhecesse há uma meia dúzia de anos era sempre num contexto de copos e era óbvio que não me conhecia assim tão bem. Também não é que ande por aí a manifestar a minha opinião a qualquer hora, pelo que optei pela versão ligeira.
Olhei-o e abanei a cabeça de um lado para o outro sorrindo e pensando "Pequenina, pequenina esta cabecinha e esta visão." O que eu já esperaria de um rapaz que vi sempre vestir-se e comportar-se tal e qual como manda o figurino: simpático, engatatão, conversador, repetitivo, betinho, vazio, perfumado, consumista...
- Digamos que quando olho para a minha irmã não a vejo como a minha irmãzinha. Nunca vi. Para mim ela é uma pessoa independente da nossa relação. Tenho orgulho que as minhas irmãs sejam as pessoas que são, mas não porque são minhas irmãs.E se fosse esse o caminho dela posso garantir-te que não me fazia confusão nenhuma.
- Oh, dizes isso só para armar. Não acredito!- realmente desacreditando e até um pouco chateado como se eu estivesse a zombar dele por maldade. - Daqui a pouco também me vais dizer que pensas nisso para ti porque nenhum homem presta.
Sorri. Bebi um gole, apreciando a sua confusão. Um dia destes iria lembrar-se de novo desta conversa. Quem sabe a sementinha não criasse raiz...
- Não me parece que isso funcione assim.
A conclusão a que chego é que não são só as revistas e as redes sociais que repetem inúmeras vezes estes exemplos de discriminação e desrespeito. Apesar de tanto esclarecimento e comunicação entre países, civilizações e formas de estar, a sociedade continua muito exigente, fria e de costas voltadas para o que, naquele momento, lhe parece fora do estipulado.
E isso acontece tanto para os homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, como para os solteiros, divorciados, sem filhos, magros, gordos, altos, baixos, deficientes motores, deficientes cognitivos, deficientes físicos, doentes mentais, doentes crónicos, religiosos, ateus, inteligentes, trabalhadores das obras, atiradiças, envergonhados...
Eu poderia continuar a lista porque o que me parece é que em dada situação, tudo pode ser estranho, diferente e posto em causa.
Não sei o que faz uma pessoa aceitar que cada um de nós é diferente e que essa é a realidade, independentemente de alguns acharem bem e outros mal. É a realidade.
Não sei o que faz com que a aceitação seja fácil e espontânea, mas sei que quando acontece, a vida se torna melhor para todos.
Que se evitam as vidas duplas, as mentiras. que se todos pudessem ser mais sinceros, seríamos todos mais felizes.
Pense nisso na próxima vez que considerar algo estranho, pense primeiro em aceitar e depois decida se concorda ou não.