É sobre este peso da constância do que se é e do que se pode ser que penso hoje, neste dia chuvoso e frio, em que o estado de saúde me debilita o corpo e enfraquece o espírito.
As semanas têm sido de uma luta que não quero considerar inglória por saber que existirá um momento em que vencerei os contratempos que a vida decidiu colocar no meu caminho.
Vários têm sido os momentos de desespero e irritação e algumas têm sido as lágrimas que caem sempre que penso se tudo não podia ser só um bocadinho mais fácil. Choro-as mais para me acalmar do que propriamente por tristeza. Não fico triste que a vida seja tão difícil, fico cansada e às vezes zangada, mas choro apenas de saudade das ilusões que não se comprovaram quando a realidade aconteceu.
Na verdade mudei o céu e a terra da minha vida, mas não me mudei a mim e às minhas circunstâncias e por isso sinto na carne o peso e a dureza de uma adaptação tão global, exigente e abrupta. E como a escolhi sinto-me ainda mais responsável por a levar a um lugar que eu considere bom para mim.
Sendo que não soube (e talvez ainda não saiba) encaixar-me nos outros de modo a fazer- -me acompanhar nestes trajetos que descubro nos meus sonhos e no que me faz sentir eu, resolvo dentro de mim estes fracassos (uns dias com mais sucesso e outros com menos) e persiste, num lugar de mim, a ideia de que a dureza do processo não invalida o sucesso nesta busca de ser eu e ser feliz, comigo e em mim, independentemente do que outros possam ter definido como uma vida de sucesso ou de como avaliem as escolhas que fiz.
Não escolhi estar sozinha,mas não cabe na minha franqueza contentar-me com o que não me faz sentido ou calar-me perante o que me diminui ou não me acrescenta. Pago um preço alto por esta pretensão de querer ser livre para viver consoante acredito ser melhor para mim. É, no entanto, mais uma condição que nasceu comigo do que uma escolha consciente e ponderada.
Apesar da pressão diária de viver em espaços e em contextos que não me acolhem e com os quais não me consigo identificar, passo os dias numa tentativa constante de equilibrar o que posso fazer para melhorar e aceitar o que não posso mudar e procuro, por razões de saúde, distrair-me sempre que posso.
Descubro, com um sorriso nos lábios, o mesmo aroma de vela queimada, do chá acabado de fazer, as mesmas letras pretas em páginas brancas dos livros que não se perderam nas mudanças. Percebo que o coração se preenche com os mesmos mimos e as palavras de apoio das mesmas pessoas e que a luta me desgasta e magoa, mas que não me derruba ou modifica a minha capacidade de acreditar.
E assim, a cada regresso a casa, com o mar à minha direita, delicio-me com a sua beleza e inspiro-me na sua força e persistência, relaxo com o calor do sol na areia e deixo-me contagiar pelo espírito livre e descontraído dos surfistas no fim de tarde.
Espalhados por todo o lado, ao lado dos carros a trocar de roupa, a passarem-se por água, a conversarem uns com os outros ou sozinhos, são para mim o lembrete de que a vida passa e que por mais que se cresça interiormente, ela acabará e não muda nada levar as coisas demasiado a sério.
Tento, assim, encontrar-me com o destino que escolhi, obrigando-me a estacionar num desses parques de estacionamento à beira mar e sair do carro, sentindo o vento na pele e inspirando fundo. Talvez um dia, em vez de vir aqui largar o que não quero guardar, venha agradecer ao acaso. É nisto que penso quando decido cansar-me a caminhar.
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