sábado, 21 de junho de 2014

Porque quem sai aos seus não degenera e eu também sei fazer serão...



"Serão" é uma das minhas palavras preferidas desde antes de saber as letras necessárias para a escrever.
De cada vez que ouvia a minha mãe dizer "Hoje vamos fazer serão." antecipava, alegre, a noitada de folia que me esperava.
A palavra "serão" revestiu-se assim de uma doçura, de sensações de companhia, de ficar acordada, de ouvir a conversa dos adultos. Emociona-me porque me remete para o ambiente familiar e alegre da minha infância.
Na altura não teria ainda sete anos, pelos espaços onde me recordo passarem-se estes "serões" que, normalmente, eram dedicados aos trabalhos manuais (a "malha", a "renda", a "costura") passados em cantorias e conversas. 
Também me lembro mais tarde dos que passámos em apostas sobre que país ganharia o Festival da Canção e sobre as prováveis votações por razões de proximidade e política (num aparte devo dizer que estes argumentos me deixavam já pasmada de incredulidade e vermelha de raiva pela suposta parcialidade... enfim ingénua criança...), mas estes, em que as mulheres e os homens se reuniam numa só sala, elas em linha no sofá ou cadeiras e eles a ajudar a tornar em novelo as meadas ou a conversar, me agradavam de tal forma que muito cedo quis aprender a fazer todas estas tarefas.
A verdade é que nunca percebi que valor teriam no meu futuro e hoje em dia, como a maioria daquelas mulheres, os serões revestem-se normalmente de outras atividades, muitas vezes relacionadas simplesmente com ver algo na televisão ou simplesmente dormir.
Os meus gasto-os também a escrever e na maioria das vezes a ler, mas de quando em quando, umas mais do que outras agarram-se às criações, aos trapos, linhas, agulhas e tesouras e "viram o dia" entretetidas na confeção de maravilhosas obras de arte.
Aos meus serões habituais, habitualmente falta a conversa e o riso, mas a ajuda chega-me à distância através do ecrã do computador ou do telefone e a companhia... ah, essa.... chega-me da doce lembrança destas noites de "serão"!

quarta-feira, 18 de junho de 2014

As coisas da vida

" O diretor espiritual da escola queria falar comigo. Chamaram o meu nome na aula. Fui convocado ao gabinete do padre Nugent. Toda a gente sorriu com um ar entendido. Tratava-se da lição sobre as realidades da vida que todos nós recebíamos individualmente. 
(...)
- ... se uniram em amor - dizia ele.
Acenei apreciativamente com a cabeça, se bem que até ali - descobri, de súbito em pânico - não tivesse ouvido quase nada. 
(...)
O amor fomenta a paixão e o corpo altera-se. O pénis... Será que já tinha ouvido essa palavra? Sabia o que era? Sabia, mas nunca a tinha ouvido. Acenei vigorosamente com a cabeça. Pénis? Era então isso que lhe chamavam?!
- Sim.
Um momento mais tarde, dizia "vagina" e perguntava-me se eu conhecia a palavra e se sabia o que era. Desconfiava do que devia ser, mas não conseguia imaginá-la; e quando me perguntou se sabia onde ficava, sorri de forma ligeiramente histérica e respondi que sim, sim, que sabia, mas pensava cá comigo mesmo: não, não sabes. Pergunta-lhe, minha besta, pergunta-lhe! É para isso que estás aqui! - mas não conseguia fazer mais nada senão fitá-lo e sentir a cabeça a acenar já nem sabia bem porquê. (...)
- Quando o pénis dilatado entra na vagina, é emitida uma semente.
"Emitida"? Deus do céu! "Emitida"? "I-mi-ti-da"? "He-mi-ti-da"? Que palavra era essa?
(...)
Isso espantou-me ainda mais. Parecia um processo distante.
- Quer dizer que envia para ela?
Em quê? queria perguntar-lhe. Num envelope? Num pequenino embrulho? Do que é que este maluco estava a falar?
- De certo modo. A palavra técnica é "ejacular".
Oh, do latim, tinha a certeza de que ele diria isso, e foi isso mesmo que fez. Obrigado, Sr. Padre. Então, o homem atira-a, como uma lança. Uma pessoa tem de saber latim para fazer isto? Ele diz a ela: "Aqui tens. Isto é do latim para atirar ou enviar"? No caso de não haver latim, é um pecado. Amor é em latim, luxúria não. Pensei em todas as palavras inglesas que tinha ouvido. Pareciam certamente muito mais selvagens.
(...)
não fazia a mínima ideia do que era esse famoso ato sexual nem como os meus pais podiam tê-lo consumado sem boas bases de latim. É possível que os sacramentos do casamento lhes tivessem dado, espontaneamente, esse conhecimento, podendo então fazê-lo, segundo as recomendações da igreja.
(...)
- Tu praticas isso?
Virgem santíssima! Pratico o quê? O que é que eu fazia?
(...)
- A maior parte dos rapazes com a tua idade não pensa nisso.
Estás muito enganado, gritou uma voz dentro de mim. Uma data deles só pensa nisso. Mas, no meu caso, tens razão. Sou normal.
- Só mais tarde é que eles se perguntam como é que um velho solteiro como eu sabe essas coisas.
Isso deixou-me de boca aberta. Julgava que ele estivesse a falar de sexo. Quem é que se importava que ele fosse solteiro? O celibato era apenas um cheiro a sabão e pó talco. 
(...)"

Lendo no escuro - Seamus Deane

domingo, 15 de junho de 2014

Não ligues a quem diz...

She Sits, She Plucks
Alison Day - East Budleigh Scarecrow Festival


" (...)não ligues a quem diz
que há nos astros
o poder de marcar alguém 
só por prazer

(...)
nem Deus tem o dom
de escolher quem vai ser feliz"


Rui Veloso - "Canção de Alterne"

sábado, 14 de junho de 2014

Lendo no escuro




Uma forma de escrever que nos transporta diretamente para a mente de outra pessoa, num outro espaço, num outro tempo. 
Um relato de um pensamento veloz que nos cativa de forma a querermos acompanhá-lo sem largar. 
A primeira vez que peguei no livro, pousei-o depois de cinco horas e apesar de estar ao sol, senti alguns arrepios de escuridão e medo. Roubou-me também alguns sorrisos e depois... acompanhou-me durante alguns dias.


quinta-feira, 12 de junho de 2014

Por dizer...

" Como se apercebia logo quando a mulher, Lizzie; a minha avó, estava a esconder-lhe alguma coisa, pois conhecia a respiração dela tão bem como se tivesse um estetoscópio encostado ao peito dela - a têmpora esquerda latejava quando estava preocupada -, e como estava envergonhado por não a ter deixado perceber que ele gostava de a conhecer assim, observando-a ternamente por detrás da sua máscara de marido." 

Lendo no escuro - Seamus Deane

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Distância

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                       gwagwa




Foram tantas as vezes em que olhei o teu sorriso, em que me perdi nas palavras banais que trocavas comigo ao almoço ou ao jantar (pouco importa), em qualquer dos raros momentos em que te dignaste a dar-me um pouco de atenção.
Foram muitos os momentos em que o meu coração se preencheu, em que o senti florir, bordar-se, aperfeiçoar-se no sonho, na esperança, na suavidade de se te ter tudo o que se quer.
Foram muitos os momentos negros que se seguiram a estes. Tantos que os esqueci. Que não os recordei com o devido carinho, com o devido cuidado.
Esfarraparam-se os bordados, chamuscou-se o tecido, murcharam as flores e agora, quando te vejo sorrir, enche-se-me o peito de saudade e nostalgia.   Saudade de me saber deixar construir, nostalgia pelo que não foi, mas podia tão bem ter sido.
Agora, sem dificuldade de maior (devo admitir) mantenho a minha distância, protejo-me, embora possa parecer exposta  e quando o meu coração se alegra, guardo-o só para mim.
Desta vez, se alguém o disser em voz alta, se alguém ousar senti-lo de verdade...
Desta vez, só desta vez...
Vais ser só tu!



Inspirado em "Distance"

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Felicidade...


Nicholas Hendrickx -  The Adventures of Mr. Fly   
                
Ouvi dizer há uns tempos que ninguém escreve sobre a felicidade ou sobre as coisas que trazem felicidade por ir aumentando a dificuldade de conseguir transmitir o que pretendes em palavras à medida que o que descreves te é mais próximo.
Não sei.
Talvez seja isso ou talvez seja apenas porque a felicidade apressa o tempo, ocupa a mente, resolve-se a si mesma.
A felicidade não precisa de processamento, de análise, de afastamento.
Aliás, tudo isso pode destruir a felicidade.
A felicidade é um instante, um momento. Acontece sem aparente aviso e sem explicação constante.
A felicidade é de tal forma misteriosa que a maioria de nós opta simplesmente por a viver e depois...
Depois já não sabe como a descrever...

sábado, 7 de junho de 2014

Danças & Contradanças


Há anos em espera para ser lido revelou-se uma série de contos muito divertidos, originais, provocadores. Muito diferentes das habituais vidas contadas pelas personagens criadas pela autora, cada conto é um pedaço de mundo diferente, especial, na maioria das vezes fantástico e irreal (ou nem tanto assim) que nos leva incondicionalmente e nos deixa a flutuar por alguns minutos.
Para quem gosta de sonhar, para quem precisa de inspiração ou para quem gosta, simplesmente, de ler. 
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