quarta-feira, 18 de junho de 2014

As coisas da vida

" O diretor espiritual da escola queria falar comigo. Chamaram o meu nome na aula. Fui convocado ao gabinete do padre Nugent. Toda a gente sorriu com um ar entendido. Tratava-se da lição sobre as realidades da vida que todos nós recebíamos individualmente. 
(...)
- ... se uniram em amor - dizia ele.
Acenei apreciativamente com a cabeça, se bem que até ali - descobri, de súbito em pânico - não tivesse ouvido quase nada. 
(...)
O amor fomenta a paixão e o corpo altera-se. O pénis... Será que já tinha ouvido essa palavra? Sabia o que era? Sabia, mas nunca a tinha ouvido. Acenei vigorosamente com a cabeça. Pénis? Era então isso que lhe chamavam?!
- Sim.
Um momento mais tarde, dizia "vagina" e perguntava-me se eu conhecia a palavra e se sabia o que era. Desconfiava do que devia ser, mas não conseguia imaginá-la; e quando me perguntou se sabia onde ficava, sorri de forma ligeiramente histérica e respondi que sim, sim, que sabia, mas pensava cá comigo mesmo: não, não sabes. Pergunta-lhe, minha besta, pergunta-lhe! É para isso que estás aqui! - mas não conseguia fazer mais nada senão fitá-lo e sentir a cabeça a acenar já nem sabia bem porquê. (...)
- Quando o pénis dilatado entra na vagina, é emitida uma semente.
"Emitida"? Deus do céu! "Emitida"? "I-mi-ti-da"? "He-mi-ti-da"? Que palavra era essa?
(...)
Isso espantou-me ainda mais. Parecia um processo distante.
- Quer dizer que envia para ela?
Em quê? queria perguntar-lhe. Num envelope? Num pequenino embrulho? Do que é que este maluco estava a falar?
- De certo modo. A palavra técnica é "ejacular".
Oh, do latim, tinha a certeza de que ele diria isso, e foi isso mesmo que fez. Obrigado, Sr. Padre. Então, o homem atira-a, como uma lança. Uma pessoa tem de saber latim para fazer isto? Ele diz a ela: "Aqui tens. Isto é do latim para atirar ou enviar"? No caso de não haver latim, é um pecado. Amor é em latim, luxúria não. Pensei em todas as palavras inglesas que tinha ouvido. Pareciam certamente muito mais selvagens.
(...)
não fazia a mínima ideia do que era esse famoso ato sexual nem como os meus pais podiam tê-lo consumado sem boas bases de latim. É possível que os sacramentos do casamento lhes tivessem dado, espontaneamente, esse conhecimento, podendo então fazê-lo, segundo as recomendações da igreja.
(...)
- Tu praticas isso?
Virgem santíssima! Pratico o quê? O que é que eu fazia?
(...)
- A maior parte dos rapazes com a tua idade não pensa nisso.
Estás muito enganado, gritou uma voz dentro de mim. Uma data deles só pensa nisso. Mas, no meu caso, tens razão. Sou normal.
- Só mais tarde é que eles se perguntam como é que um velho solteiro como eu sabe essas coisas.
Isso deixou-me de boca aberta. Julgava que ele estivesse a falar de sexo. Quem é que se importava que ele fosse solteiro? O celibato era apenas um cheiro a sabão e pó talco. 
(...)"

Lendo no escuro - Seamus Deane

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