quarta-feira, 27 de abril de 2016

Colecionar bons momentos


Bons momentos,boas energias, bons amigos, boas conversas, boas companhias.

Sempre fui muito fã de gente que me deixa bem e sabe ter uma conversa. Esses momentos que tanto valorizei têm- se revelado indispensáveis para me manter bem e capaz de superar este grande obstáculo. Nas horas de silêncio e desconforto lembro-me muito do carinho dos muitos que me rodeiam. De todos os que fui conhecendo ao longo do tempo e que, neste momento, confirmam o meu juízo de valor sobre eles. Vem-me à mente os momentos passados em conjunto. Os sorrisos, as brincadeiras, os projetos. 
Acredito na força dessas memórias, na verdadeira energia dessa vida que fomos construindo quando a vida ainda era só as banalidades do quotidiano.
Sei que consigo estar com muitos poucos dos que ficam, mais ou menos longe, a torcer por mim, mas para todos fica a minha profunda gratidão pelo carinho e respeito com que me têm tratado.
 Quer seja a afastarem-se quando acham que eu quero, quer seja com os docinhos, os grelos da quinta, a canjinha com ovos, os iogurtes caseiros e as gelatinas, quer seja com os pequenos presentes ou empréstimos de lencinhos, brinquinhos ou principalmente com as horas em que ficam a fazer-me companhia quando mal posso falar ou quando me ouvem horas a fio a falar das mesmas coisas,mesmo que mal sentadas ou cheias de frio.
Muitos me têm falado do exemplo, do positivismo com que tenho levado estes dias, mas a verdade é que é fácil manter-me animada com tanto cuidado e atenção à minha volta. É um trabalho de equipa que tem tudo para dar certo. 
A todos, mesmo a todos aqueles a quem quase não chego a responder ou com quem falo menos um sincero obrigada.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

O que fica do que parte

Descobri assim por acaso (como descubro quase tudo o que seu sobre mim), o motivo para sempre ter gostado tanto de cemitérios.

Desde miúda sempre gostei de cemitérios.
Sinto um apaziguamento e uma outra sensação que não sei nomear, mas que se parece com uma extrema capacidade de oferecer apoio a quem precisar: uma dose extra de cuidado, paciência, simpatia, compreensão.
Nunca procurei propriamente resolver este meu estranho (ou nem tanto) gosto e ficou assim, uma private joke entre os meus familiares mais chegados.
A sensação que tenho ao entrar num cemitério atribuía-a por ser um local onde, eventualmente, as pessoas estão num sofrimento atroz por uma perda de alguém querido, sem que na maioria das vezes manifestem essa dor.
Reina, habitualmente, o silêncio e um certo absurdo nos gestos corriqueiros de encher o regador de água, tirar as flores do plástico, cortá-las para que fiquem na jarra...
Reconheço e identifico-me automaticamente com esta aparente normalidade exterior onde num olhar mais triste ou perdido ou numa lentidão dos movimentos se percebe a dor, o desalento, a inconformidade, o choque.
Talvez por isso se encha o meu interior de uma dose extra de cuidado. Preciso que o meu sorriso transmita essa empatia. Que a pessoa possa, por breves segundo, sentir-se compreendida e igual ao seu semelhante.

Hoje descobri que o que eu gosto nos cemitérios é sobretudo a representação que eles são do respeito, carinho e dedicação de uns pelos outros.
Alguém, mais ou menos convicto, mais ou menos triste, teve o cuidado, no mínimo, de solicitar a edificação de um espaço (com mais ou menos ornamentações) para o seu ente querido.
Por isso me atraem os jazigos, as campas que se destacam pela excessiva ornamentação ou pelo bom gosto da simplicidade. Gosto de ler as lápides, ver as fotos, imaginar vidas nos sorrisos ou no olhar das pessoas que já se foram.

Gosto da arrumação arquitetónica. Tudo dividido, como em pequenos jardins. Gosto dos gradeamentos, das escadinhas, dos portões. Gosto de ver as pessoas "etiquetadas", as que foram mães, avós, filhos, mulheres. Assim, organizadas e tão facilmente identificáveis. como jamais conseguimos ver quando estão vivas. De certa forma ganhando em método, o que se reduzem em ser.

E por tudo isto, sempre que vou ao cemitério visitar a minha avó, penso que gostaria de ficar por mais um tempo e vaguear. Mas quase nunca fico, porque há uma parte de mim que se sente uma intrusa, assim a bisbilhotar na vida das pessoas, mesmo que a mesma já tenha acabado.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

A Insustentável Leveza do Ser

Não só um título incrivelmente denso e cativante, mas uma obra doce, direta, cativante e forte que nos leva e enleva ao longo da vida das personagens que se apresentam sem aviso ou ordenação.

                                         
Há muito que não lia um livro tão diabolicamente entrelaçado e que prendesse a minha atenção e curiosidade por tanto e tão precioso tempo.

domingo, 3 de abril de 2016

Stoner





















Stoner é um professor universitário na primeira metade do séc. XX, apaixonado pela literatura e pelo ensino.
Pessoa de origens e pensamentos simples, que se concretizam numa vida banal, embora de certa forma desatrada e cheia de situações que apesar de corriqueiras nos prendem pelo mistério e sobretudo pela intimidade do discurso.

Criando uma espécie de empatia com partes do nosso próprio ser e do que faríamos nas mesmas situações é um relato fascinante e perturbador.
Aconselho a quem goste de ler só porque sim e a quem procure confrontar-se com estilos diferentes de escrita e narrativa.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Mil e um noites




Um final de noite em vésperas de verão. 
Estava escuro e 
quente ali.
As cores da televisão refletidas na pele nua e no branco das roupas que vestiam.
Espalhou-se no espaço que existe entre os dois aquele sentimento de falta de preenchimento. 
Aquele que nos faz abrir uma cerveja, fumar um cigarro, comer um chocolate ou batatas fritas.
Ela mexe a perna brilhante e bronzeada para afastar uma mosca e repara, embora disfarce, que o olhar dele se desviou da televisão para seguir o movimento da sua perna.
E logo de seguida ele mexe as pernas, cento e oitenta graus graus para mais perto.
Ela sorriu interiormente pela atenção que ele lhe prestou, lisonjeada por ainda o conseguir atrair para si, embora se mantenha exteriormente serena e aparentemente distraída.
- Vou comer. Queres alguma coisa?- deixa cair ele, parado em frente à televisão.
Ela  acena um não e nem sequer levanta o olhar para se encontrar com o dele. Sabe que assim que o fizer estará perdida. Ele estará a sorrir, maroto e ela não conseguirá resistir a responder com um sorriso também.
E é aí que ele a ganha, que ela deixa de conseguir fingir, que a razão se preenche de comodidade e conforto do prazer já conhecido, já trabalhado e ajustado.

Ele baixa-se e, num gesto que pretende ser ocasional, toca-lhe na pele muito ao de leve.

-Nem uma gelatina de melancia? - sempre as mesmas notas nesta cantiga de bandido que ela ouve em modo repeat sem se fartar.
 É a vez dela jogar. Sabe que ele reconhece o arrepiar da sua pele a cada toque seu. Anos volvidos e o arrepiar dá-se igualmente ao primeiro toque e vai-se repetindo numa cadeia ascendente à qual é difícil virar as costas e resistir.
- Não, obrigada. - consegue ela dizer sem o olhar.
Ele sai da sala. A ela invade-a a outra razão. Aquela que lhe recorda a sensação de angústia, de ansiedade,  de espera.
Ele volta a entrar. Ela observa-o, antecipando cada gesto seu, cada movimento do seu corpo. O sorriso que se formará quando a consegue distinguir na penumbra,  o olhar ardente que a vai percorrer da ponta do pé até aos olhos, a forma como a camisa azul clara se vai ajustar no peito quando ele se baixar, o aroma a perfume que a rodeará ao aproximar-se,  a tensão das veias do seu braço quando pousar a mão ao lado do seu corpo para se apoiar. O reflexo da luz no masculino relógio que traz no pulso. A maciez dos seus lábios quando tocarem o seu pescoço, a firmeza dos dedos que obrigarão o seu rosto a elevar-se e a solidão que verá espelhada no brilho aos olhos dele quando finalmente não os conseguir evitar.


Assim, sem aviso prévio, nem motivo de primordial importância, vai-se perdendo parte do encanto nesta desconstrução das inconformidades deste inalcançável ser.
Em tempos este olhar indecifrável fazia-a correr em seu salvamento. Sentia-se bóia,  bote salva-vidas, cobertor e conforto do que lhe parecia o mais indefeso dos seres humanos.
Hoje sente o seu próprio ser remendado, em luta pela sobrevivência enquanto tenta esgueirar-se dos becos escuros para onde a empurra esta sedução doentia e fraca.
Desta vez gela-se o impulso de aproximar os seus lábios do calor prometido. 
Inebria-se o corpo, perdendo capacidade para continuar a provocação. 
Demora-se o tempo em câmara lenta e muda-se a prespetiva, como se outras personagens observasse em seu lugar. Segue-se um sabor amargo na boca e o desconforto característico de perda e desilusão.
Tudo o que haviam tido desmorona-se assim, num corriqueiro segundo, enquanto ela se mantém imóvel apesar da proximidade do corpo dele.
Segundo que ele nunca conhecerá, compreenderá ou dará valor, mas que a liberta dele como antes horas de um dia inteiro nunca tinham conseguido fazer.




Foto: Inspiration Grid
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