sexta-feira, 22 de abril de 2016

O que fica do que parte

Descobri assim por acaso (como descubro quase tudo o que seu sobre mim), o motivo para sempre ter gostado tanto de cemitérios.

Desde miúda sempre gostei de cemitérios.
Sinto um apaziguamento e uma outra sensação que não sei nomear, mas que se parece com uma extrema capacidade de oferecer apoio a quem precisar: uma dose extra de cuidado, paciência, simpatia, compreensão.
Nunca procurei propriamente resolver este meu estranho (ou nem tanto) gosto e ficou assim, uma private joke entre os meus familiares mais chegados.
A sensação que tenho ao entrar num cemitério atribuía-a por ser um local onde, eventualmente, as pessoas estão num sofrimento atroz por uma perda de alguém querido, sem que na maioria das vezes manifestem essa dor.
Reina, habitualmente, o silêncio e um certo absurdo nos gestos corriqueiros de encher o regador de água, tirar as flores do plástico, cortá-las para que fiquem na jarra...
Reconheço e identifico-me automaticamente com esta aparente normalidade exterior onde num olhar mais triste ou perdido ou numa lentidão dos movimentos se percebe a dor, o desalento, a inconformidade, o choque.
Talvez por isso se encha o meu interior de uma dose extra de cuidado. Preciso que o meu sorriso transmita essa empatia. Que a pessoa possa, por breves segundo, sentir-se compreendida e igual ao seu semelhante.

Hoje descobri que o que eu gosto nos cemitérios é sobretudo a representação que eles são do respeito, carinho e dedicação de uns pelos outros.
Alguém, mais ou menos convicto, mais ou menos triste, teve o cuidado, no mínimo, de solicitar a edificação de um espaço (com mais ou menos ornamentações) para o seu ente querido.
Por isso me atraem os jazigos, as campas que se destacam pela excessiva ornamentação ou pelo bom gosto da simplicidade. Gosto de ler as lápides, ver as fotos, imaginar vidas nos sorrisos ou no olhar das pessoas que já se foram.

Gosto da arrumação arquitetónica. Tudo dividido, como em pequenos jardins. Gosto dos gradeamentos, das escadinhas, dos portões. Gosto de ver as pessoas "etiquetadas", as que foram mães, avós, filhos, mulheres. Assim, organizadas e tão facilmente identificáveis. como jamais conseguimos ver quando estão vivas. De certa forma ganhando em método, o que se reduzem em ser.

E por tudo isto, sempre que vou ao cemitério visitar a minha avó, penso que gostaria de ficar por mais um tempo e vaguear. Mas quase nunca fico, porque há uma parte de mim que se sente uma intrusa, assim a bisbilhotar na vida das pessoas, mesmo que a mesma já tenha acabado.

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