sábado, 10 de março de 2018

Se se torna ódio, nunca foi amor.



Há momentos da nossa vida em que o futuro e o passado se misturam, sem que seja possível evitar que choquem, que se interliguem, que se destruam.
Apesar dos anos de afastamento, ela surpreendeu-se ao sentir as lágrimas que lhe escorriam pela face sob o olhar penetrante dele.
Lágrimas que não lhe tinha conseguido arrancar antes, apesar de toda a  dor, de toda a violência, de toda a desilusão que lhe provocou durante a sua vida em comum.
Naquela altura os seus olhos estiveram sempre secos, mesmo quando achou que não existiria um amanhã para ela, que não haveria um depois, que não conheceria nenhum outro instante a seguir àquele momento de desespero. E que isso iria ter tão pouca importância no decorrer da vida de todo um mundo. Não chorou. Não quis dar-lhe essa satisfação.
Quantas vezes pensou que tudo o que era e tinha conseguido, perder-se-ia sob o peso do corpo dele ou na intensidade do aperto das suas mãos? 

Nem chorou depois. Numa busca pela sobrevivência também não pôde chorar depois.
Mas chorava agora e doíam-lhe agora todas as dores como se tudo tivesse acontecido novamente, em sucessões rápidas de imagens, sem intervalo, sem desculpas, sem outro tempo se não o do terror.
As palavras … o olhar… a respiração... o cheiro.
Como se nada tivesse acontecido entretanto, como se não fosse já outra…

Continuava a sentir-se imóvel perante aquele olhar impenetrável, sentiu-se gelar quando lhe dirigiu ele lhe dirigiu a palavra. 
E atrás de um ele demasiado próxima, continuava, desfocada o decorrer da vida à sua volta: gestos impacientes de uns, sorrisos hipócritas de outros, lutas numa guerra que não parecia ter inocentes. Alguém a ouviria se gritasse, alguém lhe prestava atenção caso, desta vez, não tivesse oportunidade de gritar?
Ele afastou-se e ela desejou poder fazer o mesmo mas para longe dali. Longe! Queria apenas respirar um ar onde ninguém quisesse tramar ninguém.
Sentia-se profundamente enjoada quando se sentou, finalmente, no banco de jardim. Repor a verdade, fazer o que está certo foi o que a levou até ali. Já não tinha a certeza de haver regras. Já não tinha a certeza de ter valido a pena.

O corpo revoltava-se contra tanta podridão, tanta desistência…
Porque naquela nova história, as peças pareciam encaixar-se de uma forma maliciosa e doentia. Na sua história também teria sido assim?
Não queria fazer parte daquele mundo. 
Não fazia. Tinha sido apenas o destino a pregar-lhe uma partida e a fazê-la cruzar outra vez com aquele mal, aquelas vidas.
Nunca entenderia e continuava a sentir-se tremer.
Sentia-se mal, queria sair dali, mas não acreditava ter forças para se pôr de pé e seguir o seu caminho.
Olhou em volta. Não se via ninguém. 
Ninguém a quem pedir ajuda. Como sempre. Isolados. Sozinhos. Indefesos.

Fechou os olhos. Suspirou. Olhou o céu azul e levantou-se. Foi.
Para longe daquele lugar, para longe daquela voz, para longe daquele olhar.

    T.     
08/2006

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