domingo, 19 de novembro de 2017

Depois da invenção da mentira...


E se, por um qualquer feitiço ou desastre, ninguém conseguisse mentir?

Houvesse uma plateia à minha frente e ouviria certamente o burburinho.
Uns porque "Ai, que horror!", outros porque "Isso é que era", ladeados, obviamente, pelo segredar dos que não ouviram bem, dos que falam da última notícia da revista de celebridades e daqueles que falam só por falar.

Arriscaria dizer que já todos nós pensámos que este poderia ser o remédio perfeito para isto de todos podermos dizer só e quanto queremos, manobrar a verdade ou mentir descaradamente, sem culpa ou punição.

Assim, considerando a mentira algo inadmissível em toda e qualquer circunstância, o Paraíso desceria à Terra e não existiriam mais as traições, os enganos, as suspeitas. 
Nem tão pouco se possibilitariam as surpresas, as traquinices, as partidas ou as mentiras piedosas.

A multidão emudece. Presta atenção.

Percebeu que a sociedade, tal qual está construída não se compadece com a verdade absoluta e que para o funcionamento do sistema, a mentira é um mal necessário.
Não obviamente a mentira despudorada ou gratuita, mas a que se conta ou que se diz quando as repercussões da verdade o justificam: para salvar uma vida, para evitar o pânico, para incentivar alguém.

Terá a mentira como algo tradicionalmente aceitável se transformado num lugar-comum na política, na economia e nas relações sociais e pessoais. Um talvez muito provável.

Este tipo de mentira trata-se de uma deficiência vergonhosa na conduta humana e no carácter do indivíduo, por ser criada em benefício próprio ou para prejudicar conscientemente o outro. Não obstante alguns se desculparem com a possibilidade de a verdade permitir diferentes pontos de referência e interpretação, sendo que aquilo que é de uma forma, pode ser também de outra maneira, esta é uma mentira que se expande para lá de diferentes interpretações, conhecimentos ou olhares.

Esta subjetividade inerente à verdade permitiu que a mentira como exceção à regra, prudentemente avaliada com base em princípios éticos, degenerasse e se tornasse viral, despurada, irrefletida.

A mentira que nos sustenta como organização, não deve ter a finalidade de tirar proveito do outro, mas sim de impedir que o outro tire proveito de nós ou de terceiros e só deve ser usada quando a verdade acarretar consequências mais danosas e indesejáveis do que a desonra e deslealdade de mentira.

Entre dizer ou não a verdade, como em quase tudo o resto, fica o pensamento, a emoção, a liberdade individual de decidir entre o que é melhor ou, na pior das hipóteses, menos desastroso em cada circunstância.

Pense nisso na próxima vez que mentir só porque lhe apetece.

T. 04/2014
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