E se,
por um qualquer feitiço ou desastre, ninguém conseguisse mentir?
Houvesse
uma plateia à minha frente e ouviria certamente o burburinho.
Uns
porque "Ai, que horror!", outros porque "Isso é que era", ladeados, obviamente, pelo segredar dos que não ouviram bem, dos que falam da última notícia da revista de celebridades e
daqueles que falam só por falar.
Arriscaria
dizer que já todos nós pensámos que este poderia ser o remédio perfeito para
isto de todos podermos dizer só e quanto queremos, manobrar a verdade ou mentir
descaradamente, sem culpa ou punição.
Assim,
considerando a mentira algo inadmissível em toda e qualquer circunstância, o
Paraíso desceria à Terra e não existiriam mais as traições, os enganos, as
suspeitas.
Nem
tão pouco se possibilitariam as surpresas, as traquinices, as partidas ou as
mentiras piedosas.
A
multidão emudece. Presta atenção.
Percebeu que a sociedade, tal qual está construída não se compadece
com a verdade absoluta e que para o funcionamento do sistema, a mentira é um
mal necessário.
Não obviamente a mentira despudorada ou gratuita, mas a que se conta ou que se diz
quando as repercussões da verdade o justificam: para salvar uma vida, para
evitar o pânico, para incentivar alguém.
Terá a mentira como algo tradicionalmente aceitável se transformado num
lugar-comum na política, na economia e nas relações sociais e pessoais. Um talvez muito provável.
Este
tipo de mentira trata-se de uma deficiência vergonhosa na conduta humana e no
carácter do indivíduo, por ser criada em benefício próprio ou para prejudicar
conscientemente o outro. Não obstante alguns se desculparem com a possibilidade
de a verdade permitir diferentes pontos de referência e interpretação, sendo
que aquilo que é de uma forma, pode ser também de outra maneira, esta é uma mentira que se expande para lá de diferentes interpretações, conhecimentos ou olhares.
Esta
subjetividade inerente à verdade permitiu que a mentira como exceção à regra, prudentemente
avaliada com base em princípios éticos, degenerasse e se tornasse viral, despurada, irrefletida.
A
mentira que nos sustenta como organização, não deve ter a finalidade de tirar proveito
do outro, mas sim de impedir que o outro tire proveito de nós ou de terceiros e
só deve ser usada quando a verdade acarretar consequências mais danosas e
indesejáveis do que a desonra e deslealdade de mentira.
Entre dizer ou não a verdade, como em quase tudo o resto, fica o pensamento, a
emoção, a liberdade individual de decidir entre o que é melhor ou, na pior das
hipóteses, menos desastroso em cada circunstância.
Pense nisso na próxima vez que mentir só porque lhe apetece.
T. 04/2014
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