" Quando apreendemos o mundo (as partes que são legíveis para nós), fazemo-lo um pedaço de cada vez. Estes pedaços individuais do mundo são as nossas percepções conscientes. Em que é que estas percepções consistem, não o sabemos, apesar de assumirmos que a nossa experiência do mundo é uma combinação do que já está presente com aquilo que nós próprios contribuímos (os nossos eus: as nossas memórias, opiniões, inclinações, e por aí adiante.)
Os autores são curadores de experiência. Filtram o ruído do mundo, e, a partir desse ruído, criam o sinal mais puro que conseguem: a partir da desordem, criam narrativa. Administram esta narrativa na forma de livro e presidem, de um modo inefável, à experiência da leitura.
No entanto, independentemente da pureza do cenário que os autores fornecem aos leitores (independentemente de quão inteligentemente pré-filtrado e firmemente reconstruídos), os cérebros dos leitores continuarão na sua tarefa prescrita: analisar, separar, selecionar. Os nossos cérebros tratarão o livro como se fosse qualquer outro sinal do mundo, não filtrado e encriptado. Ou seja, o livro do autor, para os leitores, torna-se uma espécie de ruído. Interiorizamos o máximo que conseguimos do mundo do autor e misturamos esse material com o nosso no alambique das nossas mentes leitoras, combinando-os e transmutando-os em algo único. Eu diria que é por este motivo que a leitura "funciona": com o mundo. Não porque as narrativas nos digam necessariamente algo de verdadeiro sobre o mundo (embora possam fazê-lo), mas antes porque a prática de leitura parece-se com, e é como, a própria consciência: imperfeita, parcial, enublada, cocriativa."
Enviar um comentário