Para os meus alunos também. É logo das primeiras coisas que falo quando falamos das "regras" da sala de aula. Para mim, a gentileza, a cortesia e a camaradagem são palavras que saíram de moda mas que balizam tão melhor a imensidão da banalizada palavra "respeito", embora ainda hoje e a respeito desta reflexão alguém me tenha explicado que a palavra na sua génese também é bem objetiva.
As pessoas desconhecidas são a minha maior fonte de inspiração. Elas aparecem na minha mente através apreendidas através dos sentidos e inquietam-me tantas vezes. Tantas mais vezes do que aquelas que eu consigo partilhar. Elas apareçam na sua vida como pequenos stop motions que serve de gatilho para reações que me lembram que viver também é isto de ser sociedade e partilhar com os outros.
Ontem ao longo do dia aconteceram muitas muitas situações, mas partilho duas que se relacionam com a simples gentileza:
Numa secretaria escolar, estava na mesa do lado (da parte de quem é atendido), uma menina que devia ter uns 15 anos. Toda bonitinha e engraçadinha e com aquele ar inconfundível e amoroso do misto entre uma mulher e uma menina. Ela estava a tratar de várias situações e a pessoa que a estava a atender (que teria provavelmente netos da idade dela) explicou-lhe tudo com muita piada e bom humor, apesar das barreiras acrílicas e das máscaras.
- Mas olha, nesse dia tens que encomendar o equipamento que é obrigatório e que é pago adiantado. - disse a senhora com voz de avó/mãe.
- O quê? Tenho que usar um equipamento daqui?
- Sim. É obrigatório.
- Mas como assim? Um equipamento tem o quê? T-shirt?
- Tem o que quiseres comprar. Calças ou calções, t-shirt, camisola...
- E eu tenho que usar sempre esse equipamento? - espantava-se a miúda, mas de forma sossegada e educada
- Pois - ria-se a senhora (e eu por dentro confesso). Mas o que querias usar, minha querida? Como é que estavas a pensar vir para as aulas? Assim de calças de ganga?
- Não! Mas pensei que pudesse pôr o equipamento para lavar e trazer umas calças ou assim...
- Ah, mas isso é com o professor. Falas com o professor e logo vês. Mas vem preparada aí com uns 10 euros. Depende do que quiseres comprar para fazeres logo a encomenda. - recomendou
- E tem que ser nesse dia? - perguntava a menina aflita
- Tens o dia a seguir, mas no dia a seguir vêm outros alunos à apresentação e depois é mais confuso. Traz nesse dia que é mais fácil.- sugeriu com toda a calma
- Está bem... - e a voz mal saía.
- Pronto, minha querida, é só isso? Podes ir. Tem um bom ano. - despediu-se a senhora sorridente da menina que foi atarantada dali.
O que enterneceu foi a gentileza, a empatia desta funcionária de uma secretaria onde todos corriam de um lado para o outro. A calma com que tratou esta nova aluna, como validou as suas dúvidas e preocupações. Como foi um pouco mãe e avó e irmã e amiga sem deixar de ser a senhora da secretaria. Fiquei emocionada, pois há muito que não assistia a um momento tão bonito neste contexto agreste que às vezes é uma escola. Encheu-me a alma de esperança e só não partilhei com a senhora o bem que me fez nesse dia (e provavelmente àquela menina e àquela família) porque mais uma vez a correria nos ganhou e roubou esse momento e antes de eu ser "despachada" já tinha saído, mas um dia em que tenha oportunidade vou falar-lhe disso...
Foi o que faltou na situação seguinte. Empatia, reconhecimento, amizade, amor..... gentileza.
Um casal aproxima-se da passadeira da via do lado oposto com um carrinho de bebé que a mulher empurrava. O homem começou a passar a passadeira sem esperar para confirmar que eu ia parar ou esperar que a mulher avançasse. Ela não avançou. Só avançou depois de eu parar, apesar de estarem do outro lado da rua. Parecia que iam fazer uma caminhada pelo sítio onde estavam e para onde se dirigiam e pelas roupas que vestiam. A mulher, possivelmente mãe recente, trazia roupa escura de treino e uma sapatilhas aparentemente novas. Aparentavam ser pessoas humildes. A senhora apresentava um ar cansado e pouco animado perante a "caminhada". O homem vestia uma roupa de dia escura, mas não de treino como se se tivesse levantado para fazer aquela caminhada. Eram treze horas de um dia de muito calor (mas vamos passar isso à frente - até podiam ter que fazer uma caminhada para ir ao médico... não vou julgar). A senhora passou mais devagar pois levava o carrinho que ao subir o passeio bateu e demorou mais um bocadinho. Quando passou à minha frente eu sorri-lhe. O homem esperou-a do outro lado, mas não a ajudou com o carrinho. A senhora depois de estar em segurança fez um gesto de agradecimento ao que eu respondi com um sorriso e um aceno de que não fazia mal. Tive pena dela.
Tive pena que tivesse (pelo menos naquele momento) ao seu lado uma pessoa tão pouco conectada e gentil. Tive pena que pudesse estar a acontecer o mesmo em tantas outras situações no mundo. Tive pena que ele não tivesse sido meu aluno ou filho dos meus pais ou neto da minha avó.... Fiquei triste pela dureza que impomos uns aos outros. Que coisa esta de nos fecharmos em nós. A vida é curta, mas maravilhosa se nos soubermos ajudar uns aos outros.
A mensagem é mesmo esta. Sejam gentis. Sejam gentis genuinamente. No nada do dia a dia. No tudo do que os outros nunca vão ver. Sejam intrinsecamente gentis :)
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