“Tudo aconteceu quando descobriu que, entre os lençóis, roupas e objectos caseiros que a mãe tinha enfiado à pressa nas malas, o pai- sem que a mulher o soubesse, pois um tal desperdício de espaço tê-la-ia feito bradar aos céus - escondera um livro.” pág. 113
"-Não importa quantas escolas os nazis fecham. - respondia-lhes. - Sempre que alguém se detiver numa esquina a contar qualquer coisa e algumas crianças se juntarem à sua volta para ouvir, aí terá sido fundada uma escola."
“-“... não sabe nada sobre mulheres. .... está impressionada, bastaria ler-lhe os olhos para o perceber. Os homens esperam sempre que lhes digam tudo.”
"- É para ti. Uma prenda.
Ela olha com desconfiança para o objecto amarelo e ele levanta uma pequena tampa. Começa a ouvir-se uma melodia metálica e melíflua.
- É uma caixa de música. (...)
(...)
- Não se come - responde ela.
A sua voz arranha, mais até do que aquele vento de Fevereiro que é como lixa.
(...) fica perturbado a perceber a sua estupidez. Passou uma semana a procurar no mercado negro uma caixa-de-música. Andou de um lado para o outro, tratou com camaradas das SS e com traficantes judeus até consegui-la. Subornou, pediu, ameaçou. E só agora se dá conta que é uma prenda inútil. Num lugar onde as pessoas passam fome e frio, a única coisa que lhe ocorre oferecer a uma rapariga é uma estúpida caixa de música.
Não se come..." pág. 212
"... volta a perguntar porque terão os seus superiores tanto interesse naquele absurdo campo familiar, à espera que o médico lhe responda o que já sabe. (...)
- Sabe bem (...) que este campo é estrategicamente muito importante para Berlim.
- (...) O que não sei é o porquê de tantas considerações. Agora também vamos arranjar-lhes uma creche? Mas será que estão todos loucos? Pensam que Auschwitz é uma estância de férias?
- Isso é o que queremos que pensem uns quantos países que estão a observar-nos com muita atenção. Os rumores correm. Quando a Cruz Vermelha Internacional começou a pedir mais informações sobre os nossos campos e pediu para enviar inspectores, (...) foi brilhante, como sempre. Em vez de proibir as visitas encorajou-os a fazerem-nas. Nós mostrar-lhe-emos o que querem ver: famílias judias a conviver, crianças a correr (...)" pág. 240
"Teria gostado de lhe dar um abraço e dizer-lhe que agora sabe, que sempre soube: que não está mal da cabeça. Se nos fecham num manicómio, a pior coisa que nos pode acontecer é estarmos sãos de espírito." - pág. 251
"Sei que é um grande esforço para si,mas ... durante o tempo que dura uma história as crianças deixam de estar neste estábulo cheio de pulgas, deixam de cheirar carne queimada, deixam de ter medo. Durante esses minutos são felizes. Não podemos negar a felicidade às crianças" pág. 295
"Dividiu mentalmente o espaço e calculou que cabem um pouco mais de trinta palavras. Se depois daquele postal o que as espera é a câmara de gás, essas trinta palavras serão as últimas que deixarão escritas. A sua única oportunidade de deixar testemunho de que passou tão fugaz pela vida, talvez no pior momento da História e no lugar menos apropriado. E nem sequer pode dizer o que na verdade sente, porque se a mensagem for lúgubre não a deixarão enviá-la e castigarão a mãe. Irão ler mais de quatro mil postais? Quem sabe, pensa.
Os nazis são asquerosamente metódicos." - pág. 359
"Uma pessoa que nos espera num lugar qualquer é esse fósforo que se acende num campo à noite. Talvez não consiga iluminar toda a escuridão, mas mostra-nos o caminho para voltar a casa." - pág. 414
"Também ela sorri sem saber porquê. É o fio. Esse fio que une as pessoas. Que se converte num novelo."
- pág. 415
"Haverá quem pense que foi um acto de coragem inútil num campo de extermínio, quando há outras preocupações mais preementes: os livros não curam doenças, nem podem ser usados como armas para derrotar um exército de verdugos, não enchem o estômago nem matam a sede. É verdade:a cultura não é necessária para a sobrevivência do homem, basta pão e a água. É verdade que com pão para comer e água para beber o homem sobrevive, mas só com isso morre a humanidade inteira. Se o homem não se emociona com a beleza, se não fecha os olhos e põe em marcha os mecanismos da imaginação, se não é capaz de interrogar-se e vislumbrar os limites da ignorância, é homem ou é mulher, mas não é pessoa; nada o distingue do salmão, de uma zebra ou de um boi-almiscarado."-pág. 424
"Para mim os heróis não são os indivíduos fortalhaços dos filmes, são aqueles que caem e se levantam, os que depois de caírem cem vezes se levantam cento e uma e seguem em frente."- pág. 463
sexta-feira, 8 de maio de 2020
A Bibliotecária de Auschwitz - Antonio G. Iturbe
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