quarta-feira, 27 de junho de 2018

ESPAÇOS EM BRANCO (1)


                                                                         
  
Talvez nenhuma das pessoas que passavam pelo jardim lhe prestasse atenção.
Era provável que alguns nem a olhassem de raspão por estarem tão ocupados com as suas vidas, as suas pressas, os seus afazeres. 
Podia ser que alguns levantassem os olhos do chão ou virassem ligeiramente o pescoço para a observar melhor. Podia … ou não.

Sentada no banco de azulejos azuis, alguns já quebrados pela violência do tempo e dos que por lá passaram, não era corpo que merecesse à partida especial atenção.
No canto mais à esquerda do banco, era simplesmente mais uma mulher sentada num banco de jardim, aparentemente à espera de alguém. 
A ansiedade denunciada pela movimentação das suas mãos que entretinha com os anéis. Não tinha livros, nem sacos, nem se recostava como que a passar tempo ou a descansar.

“Espera alguém.” - confirmou para si próprio o homem que a olhava do interior da loja de artigos domésticos do outro lado da rua.
Embora fosse bonita, não era especialmente vistosa. Tinha um ar elegante e ligeiramente deslocado, como se o jardim não fosse um dos seus lugares favoritos.  Não parecia feliz, nem triste e embora os óculos escuros não deixassem adivinhar o que pensava ou para onde olhava, o homem do outro lado da rua achou-a melancólica e só.

Nessa noite, quando finalmente se sentou a beber o seu copo de vinho, a imagem dela surgiu-lhe na cabeça, tendo-se seguido uma sensação de inquietação que não conseguiu disfarçar enquanto constatava que existiam, neste mundo, muito mais pessoas sós e infelizes do que aquelas que qualquer um de nós é capaz de aceitar.

T. (2014)
(participação no projeto as-sukar no tema Azulejos)

Para conhecer outras partes da história, ler as publicações na etiqueta Espaços Em Branco (na barra lateral direita)



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