domingo, 6 de agosto de 2017

Dar continuidade...

Não suficientes vezes falo do meu background de um grupo com um elevado número de pessoas, mas principalmente com um elevado grau de talento que me antecedeu, que me deu genes, que me educou.

Existe antes de mim e à minha volta, um grupo muito especial de indivíduos cheios de talento, garra e beleza que me inspiram pela simplicidade e desprendimento com que vão conseguindo destacar-se nas áreas a que se dedicam.

Apesar de não o referir muitas vezes, tenho sempre presente a noção de que, mais do que todos os que fui descobrindo no caminho, esses são os que mais me influenciaram, mesmo que não me tenha apercebido disso.

Também vejo isso na geração mais nova. Interessantes, discretos (ou nem tanto), educados (ainda conseguimos estar horas a conversar sem nos agarrarmos ao telemóvel), talentosos, cidadaos cumpridores e felizes dão continuidade ao legado da avó Maria dos Anjos.

A avó Maria dos Anjos era (para mim que era a quinta neta) uma avó sempre de cabelo branco bem arranjado e vestidinhos feitos por ela com padrões e cores discretas, mas bonitos e com modelo original (continuo a não ver ninguém com aqueles vestidinhos). Era calma, paciente e ocupava o tempo entre a cozinha, a casa, os netos e filhos e a novela depois do almoço.

Quando eu era pequena, a minha avó era só a pessoa que tomava conta de nós. Nunca fui de fazer tolices. Ela nunca teve que se zangar comigo. Também não era habitual ela zangar-se com ninguém, mas com tantas crianças às vezes era preciso pôr um travão. Ainda assim, com os meus cinco ou sete anos sempre a achei muito benevolente e justa.

Só muito mais tarde conheci os pormenores da vida da minha avó que hoje tanto me orgulham e me fazem reconhecer em todo o seu legado (filhos, noras, genros e netos) a sua tenacidade e resiliência.

Esta mistura estranha mas explosiva, faz-me, muitas vezes, escolher um caminho em detrimento de outro. Faz crescer na minha personalidade ansiosa e temerosa uma urgência de ir mais longe, uma obrigação de procurar uma vida mais feliz, uma certeza de que aconteça o que acontecer tudo vai ficar bem.

Claro que as filhas da minha avó me ensinaram muitas habilidades, que hoje, quando ponho em prática associo à avó com um sorriso no rosto, mas aprendi com as tias, tios e mãe. A inteligência e perspicácia é quase um dado adquirido entre nós. Qualquer um sabe do que fala, pesquisa o que não sabe, pergunta, aprende. Nenhum consegue ser aquele cordeirinho manso que faz só o que lhe dizem. Seja qual for a função que desempenham naquele momento, são bons, vão mais além, apoiam colegas e chefes e realizam-se nessa função.

A maioria é muito multifacetado, o que nos dias que correm é quase uma raridade. Dos meus tios mais velhos nem consigo conhecer todas as suas facetas, mas sei que sabem de várias áreas e que têm sucesso nos seus projetos. Muito antes de a palavra projeto ter "existido".

Entre as mulheres mais novas da família tem-se fama de se ser emproada, antipática e de nariz empinado. Quando era mais nova também tive este problema e agora quando as olho percebo de onde vem essa ideia. Desde o tempo da minha avó que o "berço" se foi construindo. Apesar de não termos posses nunca nos faltou o que comer, o que vestir nem nunca faltámos à escola ou ao emprego por não termos dinheiro para o transporte. Sempre houve prioridades e para a minha avó também sempre houve o avental de "sair à rua". Mais do que esperado que agora as netas usem a inteligência na sua apresentação, tenham herdado um ou outro traço da sua beleza e  usufruído da liberdade de crescimento e escolha que deu às suas filhas. Esta combinação torna-as um bocadinho nariz-empinado, mas é uma impressão que se desfaz numa conversa curta. Muitas deles muito bondosas, participativas, conscientes. Sempre prontas a estender a mão a quem precise e capazes de participar em iniciaivas organizadas de ajuda por puro altruísmo. Bonito isso. Acho que a avó quereria isso também.

Esta parte da família faz-me sempre recordar as bras de Agustina Bessa-Luís. Acho que se ela conhecesse a nossa família, a teria traduzido numa das maravilhosas famílias matriacais que invariavelmente se encontram nas suas obras.

Uma família unida por laços que não se descrevem nem se contêm nas relações familiares. Uma família permeável e aberta à entrada dos outros, das suas vidas, dos seus costumes. Construída em sacrifício e luta, mas apesar disso cuidadora, tolerante, alegre. Uma família em continuidade, cada um a fazer por si, em diferentes espaços e áreas, com uma vida corrida que de modo algum enfraquece a relação ou a força que a todos é inerente de continuar à procura e ir sendo muito feliz pelo caminho.




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