sábado, 11 de janeiro de 2014

Nos braços de ninguém...

Chega a casa.
 Abre a porta e antevê o silêncio a escuridão de uma casa vazia de gente, vazia de vida. Percorre o comprido corredor passando por divisões que há algum tempo estão vazias mas que outrora estiveram cheias de barulho, de sonhos, de desilusões.
Pára à porta daquele que foi o seu quarto desde sempre. Sorri, embora triste. As alterações que aquele espaço sofreu ao longo da sua vida e que continua a sofrer. Agora encontra-se quase dotado ao abandono, mas é bom voltar a encontrar-se dentro dele. È aconchegante, reconfortante…
Os objectos parecem sorrir-lhe de entre as cores quentes que predominam. Descobriu-se apaixonada pelo Oriente e por isso as cores, os motivos, tecidos e objectos orientais predominam. Até os aromas que ficam das velas, que agora raramente acende, a transportam para outros mundos que não conhece, mas que recorda como se já lá estivesse estado ou vivido.
A antecipação é a mais pura forma de prazer e por isso pousa tudo, acende uma vela e deixa cair o corpo ocidentalmente exausto num almofadão confortável cuja localização a deixa ver, a partir da janela, a noite que cai lá fora, a serra que se impõe, mesmo longínqua e à noite.
Deixa-se envolver pela sensualidade do espaço. Não quer estar triste, não quer sentir-se sozinha.
Olha o corpo que a roupa ainda fresca não tapa e a pele brilha de um bronzeado que começa a desaparecer mas que lhe recorda momentos em que a loucura não lhe permitia sentir-se tão sozinha, tão cansada do mundo…
È uma pele jovem, bem cuidada, brilhante, macia que reclama a atenção que deveria receber…
O silêncio, a escuridão, a chama da vela que arde logo ali, a ausência de gente, o aroma, o afrodisíaco aroma oriental…
Deixa-se levar por mãos de alguém que não conhece e que já não tem a certeza de vir  a conhecer…
Alguém capaz de ser diferente num mundo cheio de iguais e goza de novo o prazer da antecipação. Um dia vai descobrir alguém assim, sem dúvida que sim…
E é este o momento de maior prazer… quando ainda não se tem, quando ainda não se tentou tudo, quando há ainda alguma coisa para querer ter ou dar…
Este é o momento mais fiável porque nos pertence por inteiro, só em nós começa e é em nós que repousa e só nós o podemos recordar.
Voltar a parar um instante no tempo, nesta escuridão, nesta paz e recordar o melhor momento do que nunca se passou. E fazê-lo com ternura, com carinho porque as personagens agem com uma lógica que nós conseguimos compreender…
E compreender faz-nos acreditar que dominamos e saber que dominamos reconforta, acalma.
Deixa-se ficar assim envolvida por um corpo que não existe, deliciada com beijos que não recebe…
A vela há muito que deixou de arder, embora o aroma permaneça… E ela também…
Quem olhasse de fora veria apenas um bonito corpo que o vestido de Verão transparecia e um rosto jovem que dormia em paz.
Acharia que era uma pessoa feliz e quase que  acertava.
Não era feliz, mas estava serena.

Tinha adormecido nos braços de ninguém e sem dúvida que este era o peito mais reconfortante que tinha encontrado para finalmente poder dormir.
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