Chega a casa.
Abre a porta e antevê o silêncio a escuridão
de uma casa vazia de gente, vazia de vida. Percorre o comprido corredor
passando por divisões que há algum tempo estão vazias mas que outrora estiveram
cheias de barulho, de sonhos, de desilusões.
Pára à porta daquele que foi
o seu quarto desde sempre. Sorri, embora triste. As alterações que aquele
espaço sofreu ao longo da sua vida e que continua a sofrer. Agora encontra-se
quase dotado ao abandono, mas é bom voltar a encontrar-se dentro dele. È
aconchegante, reconfortante…
Os objectos parecem
sorrir-lhe de entre as cores quentes que predominam. Descobriu-se apaixonada
pelo Oriente e por isso as cores, os motivos, tecidos e objectos orientais
predominam. Até os aromas que ficam das velas, que agora raramente acende, a
transportam para outros mundos que não conhece, mas que recorda como se já lá
estivesse estado ou vivido.
A antecipação é a mais pura
forma de prazer e por isso pousa tudo, acende uma vela e deixa cair o corpo
ocidentalmente exausto num almofadão confortável cuja localização a deixa ver,
a partir da janela, a noite que cai lá fora, a serra que se impõe, mesmo
longínqua e à noite.
Deixa-se envolver pela
sensualidade do espaço. Não quer estar triste, não quer sentir-se sozinha.
Olha o corpo que a roupa
ainda fresca não tapa e a pele brilha de um bronzeado que começa a desaparecer
mas que lhe recorda momentos em que a loucura não lhe permitia sentir-se tão sozinha, tão cansada do mundo…
È uma pele jovem, bem
cuidada, brilhante, macia que reclama a atenção que deveria receber…
O silêncio, a escuridão, a
chama da vela que arde logo ali, a ausência de gente, o aroma, o afrodisíaco
aroma oriental…
Deixa-se levar por mãos de
alguém que não conhece e que já não tem a certeza de vir a conhecer…
Alguém capaz de ser diferente
num mundo cheio de iguais e goza de novo o prazer da antecipação. Um dia vai
descobrir alguém assim, sem dúvida que sim…
E é este o momento de maior
prazer… quando ainda não se tem, quando ainda não se tentou tudo, quando há
ainda alguma coisa para querer ter ou dar…
Este é o momento mais fiável
porque nos pertence por inteiro, só em nós começa e é em nós que repousa e só
nós o podemos recordar.
Voltar a parar um instante no
tempo, nesta escuridão, nesta paz e recordar o melhor momento do que nunca se
passou. E fazê-lo com ternura, com carinho porque as personagens agem com uma lógica
que nós conseguimos compreender…
E compreender faz-nos
acreditar que dominamos e saber que dominamos reconforta, acalma.
Deixa-se ficar assim envolvida
por um corpo que não existe, deliciada com beijos que não recebe…
A vela há muito que deixou de
arder, embora o aroma permaneça… E ela também…
Quem olhasse de fora veria
apenas um bonito corpo que o vestido de Verão transparecia e um rosto jovem que
dormia em paz.
Acharia que era uma pessoa
feliz e quase que acertava.
Não era feliz, mas estava
serena.
Tinha adormecido nos braços
de ninguém e sem dúvida que este era o peito mais reconfortante que tinha
encontrado para finalmente poder dormir.
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