domingo, 16 de abril de 2017

Tradução literal ou.... talvez não



Mais uns regressos a coisa muito triviais e aborrecidas, mas que a mim me sabem a sucesso, recuperação e normalidade. 
Nunca vão imaginar a festa que eu fiz interiormente quando, ao fim de mais de um ano, voltei a tirar um ticket de portagem da auto-estrada. Até parecia que me tinham convidado para o baile de finalistas ou algo assim do género. Incrível (em bom). 
Mas não é isso de que hoje vos quero falar.

Há uns meses atrás, com as capacidades mínimas recuperadas comecei (de novo, sim eu sei que já lá vão umas oito ou nove vezes) à procura de casa, para aproveitar o tempo que me resta e preparar o regresso com a maior tranquilidade possível.

Encarar de novo esta árdua e dispendiosa tarefa com um sorriso trocista nos lábios ajuda a usufruir das peculariedades das pessoas e ideias que vamos encontrando pelo caminho. É nesse tom que se segue uma tradução muito pouco literal do que pode ler num anúncio online de oferta de imóveis para arrendar ou nos contactos seguintes antes da visita ao imóvel.
A saber:

O imóvel é muito pequeno = muito acolhedor ou as informações são só sobre o exterior

não pretende legalizar o processo =contactar por telefone

imóvel em lugares duvidosos ou para fins duvidosos= contactar apenas por e-mail

apesar do hábito ser negociar a renda a favor do inquilino, se quiser os equipamentos ainda vou subir mais a rendas = restantes equipamentos podem ser negociados

tenho um espaço onde cabe um carro, com um tejadilho improvisado e para entrar para o portão tenho quase que fazer parar o trânsito de uma avenida movimentada= garagem privativa

fiz uma espécie de contentor melhorado numa zona com muita vegetação que só tem uma saída = quinta com moradia

quero seleccionar as pessoas que vivem aqui mesmo ao lado = o valor do metro quadrado está no dobro e assim, perante proposta do interessado baixo a renda para o valor a que está o metro quadrado na zona (com equipamentos, remodelações e mobílias incluídas), mas, ainda que não ofereça nada disso, tiro ao interessado poder de negociação, uma vez que já fiz o favor de baixar a renda

percebo que o interessado procura conforto e está preocupado com a aparência da casa, referindo alguns aspetos que lhe desagradam e aproveito-me disso para aumentar o meu lucro = podemos negociar isso

tenho uma quinta enorme mas sou reformado e gosto de me ocupar com projetos pessoais= tenho várias "casas" aqui dentro, por isso ponho online a que for mais agradável e depois mostro a que me parece dar (uma pessoa=cubículo; duas pessoas= cubículo um bocadinho maior)

tenho uma quinta enorme com uma antena de recepção de rede ou algo igualmente gigantesco no meio da quinta= espaço verde muito espaçoso, ignorando sempre (até na visita presencial esse fato)

tenho uma casa enorme mas sou reformado e gosto de me ocupar com projetos pessoais= redivido divisões, reorganizo a disposição, colocando o espaço que a cama e a cómoda ocupam , atrás da cozinha e WC que estão perto da porta e acho que está muito bem e que uma pessoa sozinha não precisa de mais (se calhar nem de ar, porque também não há) = não ponho máquina de lavar roupa porque não há, literalmente, nenhum espaço onde caiba= na verdade nem para o fogão há espaço e por isso ponho um portátil com dois bicos= estou a fazer outra "casa" logo a seguir a estas cinco que cá estão em fiada, mas apesar de ter pretensão de ser um T2 muito grande para uma pessoa, já cheira a mofo e pelo menos duas divisões não têm janelas, sendo que um dos quartos parece que fica fora da casa = se o inquilino,só para entrar de cabeça neste universo paralelo, me perguntar se o espaço exterior ao pé dessa ultima casa será para usufruto dos inquilinos, responderei que sim como quem responde, por educação, que também gostam de comer marisco de manhã = à saída, se ele reparar na varanda muito bonita por cima deste último espaço, pode ser que não perceba que mais tarde será também um anexo com muita luz natural ou que, não tarda muito, o tal espaço exterior também será transformado numa "casa" daquelas

o acesso à casa é uma rua de terra batida (que era usada para ir a pé), onde dificilmente se cruzam dois carros e, por esse motivo, existem um alargamentos na estreita estrada para se poder passar, sendo que um deles é à frente da minha casa = fácil acesso de carro, com estacionamento à porta, acesso pedonal à praia

tenho uma casa enorme mas já não sou rico suficiente para a manter= fecho umas portas e arranjo um anexo independente sem janelas para alugar que antes usava para guardar o carro e as mobílias do jardim

nunca procurei uma casa na vida, porque sempre fui rico demais e quando quis morar sozinho fui para uma das casas de família e entretanto como os meus pais já estão velhos, no meio do nada que faço, vou mostrando os imóveis de família para se poderem arrendar a preços muito elevados= já tive a casa à venda mas não me deram dinheiro suficiente (esqueceu-se de dizer que optou antes por alugá-la sem a limpar, pintar ou retirar o móvel com cama incrustada que lá está mas que não serve para nada

se o prédio com muitos apartamentos está quase vazio porque estão a tentar fazer uma "limpeza" das pessoas problemáticas, porque o mercado melhorou e já é possível alugar aquelas coisas minúsculas e sem janelas por preços elevados e a gente um bocadinho mais do "bem"= os apartamentos são usados mais como casas de veraneio

se os inquilinos já foram ou são tão maus que deram conta dos elevadores de um prédio com seis andares=  prédio remodelado, substituímos os elevadores há pouco tempo

se os inquilinos conseguiram destruir completamente os equipamentos= comprámos novos equipamentos e ainda vamos fazer uma limpeza profunda

se o que é suposto ser o guarda fatos é só umas tábuas que se fundem com uma parede que não está caiada e que por baixo de uma suposta prateleira tem aquelas pedrinhas que saem dos muros de cimentos quando secam = ignoramos e chamamos a atenção para o fato de ser possível com a porta que tapa essa desgraça (onde é suposto eu pôr as minhas roupas de linho) criar uma barreira entre o quarto e a varanda e a cozinha/sala e WC ( ignorando também o fato de que a varanda é o único ponto de luz da casa e que o interior ficará todo às escuras). Se calhar até há um interesse lógico nisto, mas às páginas tantas uma pessoa já só que sair dali rapidamente

se o bairro é muito mau = dizemos à pessoa interessada que estamos a fazer visitas de 20 em 20 min naquele dia porque temos muito interessados e não porque 1) não queremos que passe lá um minuto antes de a podermos distrair; 2)

Somos todos muito estranhos e andamos à cata de informações mais precisas acerca dos negócios que os outros andam a fazer = precisamos do seu contacto telefónico para dar mais informações ou disponibilizamos imagens do imóvel apenas aos interessados

tudo resumido= sem fotografias


espero que tenham ficado mais esclarecidos= que se tenham divertido tanto como eu 


fotografia de Marta Filipa Costa

terça-feira, 4 de abril de 2017

Da arte


Não raras são as vezes em que penso que a maior parte de mim, a melhor parte de mim, invariavelmente, vive somente comigo. 

Sempre morri de medo de perder esse eu que vive dentro dos meus pensamentos numa doença qualquer ou simplesmente com a velhice.

Acho que por muito perfeitos que todos queiramos ser (pelo menos equilibrados) todos acabamos por perceber que a vida corre e o tempo escasseia, tornando-se o nosso bem mais precioso e que por uma razão ou por outra acabamos por desenvolver mais umas partes do que outras.

Verdade que embora procure cada vez mais um equilíbrio entre todas as partes como forma de formar um todo mais coerente, sempre desenvolvi mais esta parte intelectual e criativa.

E é agora que descubro, com uma grande vontade de dar uma prespetiva nova e uma abordagem completamente diferente, os prazeres do exercício físico que percebo que tudo se pode tão bem conjugar.
Como neste trabalho.

Quem me conhece sabe que adoro ouvir música, gosto muito de ver espetáculos de dança e que fico sempre muito sensibilizada com o que leva estes artistas a tanto empenho e aprendizagem. E continuarei a agradecer de cada vez que o trabalho de alguém me fizer parar um segundo para me emocionar, para me sentir viva, para me impressionar. Agradecer, desejando sempre que mais e mais pessoas se dediquem efetivamente a algo que lhes preencha a vida e que as ajude a perceber os outros melhor.

Numa sociedade cheia de pragmatismo e protocolos, que se valorizem os artistas que por muito comerciais que sejam tenham o poder de chegar a muitos públicos.
Copyright © T&M
Design by Fearne