domingo, 10 de agosto de 2014

Renegados #2



Não é verdade que sou alérgica a gatos.
Sai da minha boca esta mentira que delicadamente inventei enquanto bebo uma chávena de café bem quente e olho o escorrer das gotas da chuva na janela.
Passei boa parte da noite a pensar nisso, sentindo o peso do teu abraço.
A minha mente ocupou-se com as múltiplas formas que teria de me libertar daqui, de fugir de ti…
Podia silenciosamente levantar-me, vestir-me e sair.
Ou podia tomar este pequeno-almoço contigo, nesta manhã chuvosa de domingo e depois desaparecer, sem dar mais notícias.
Podia até, imagina, inventar uma discussão contigo.
Essa ideia pu-la logo de lado por não gostar de discussões e por achar que as mesmas se geram no amor e no interesse e não nesta apatia e desilusão que me consome, agora, sempre que olho para ti.
Ainda assim, não quero dizer-te a verdade.
Não me apetece ter de explicar o que sinto.
Tu não vais entender nada e eu vou respeitar-te ainda menos.
Depois virás com a tradicional conversa de que as mulheres são complicadas ou de que as hormonas devem estar a confundir-me a cabeça.
De forma desanimadora, tenho a certeza que vais fazê-lo, porque é o que todos fazem quando ficam encurralados na mais fria e completa ignorância em relação ao que nos vai na cabeça.
Vou cansar-me de te explicar, vou dizer-te que o que temos não vale o esforço da discussão.
Tu vais, finalmente, acusar-me de duas ou três coisas que entretanto te chegaram ao pensamento. Não porque te tenham verdadeiramente incomodado, mas apenas porque te apercebeste que não me deténs e não és dono de nenhuma parte de mim.
Enfim, como não queria discutir, também não era opção dizer a verdade.
E a noite passou, enquanto eu ainda te olhava, na vã esperança de voltar a sentir algo mais do que a urgência do teu toque.
Agora que estamos aqui, frente a frente, sinto-me sufocar e sei que não posso adiar mais.
Estás silencioso. Não sei se de reação ao meu próprio silêncio ou por não teres, efetivamente, nada a dizer. Talvez, por estes dias, a segunda opção seja a mais plausível.
- Sabes, cheguei à conclusão que sou alérgica a gatos.
E, enquanto digo isto, olho de lado para o Sebastião que parece ter sido espetado por uma faca, como se percebesse a intensidade da mentira que acabava de proferir.
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