domingo, 20 de janeiro de 2013

Dá um pouco de crédito ao inexplorado... (2)



"Que idiotice...Não podia simplesmente perder o rumo, sair de casa, cortar com a sua própria vida.
Porque não? 
Que haveria de tão interessante do lado de lá que fazia os outros homens temerem a ideia de casamento ou maldizê-lo e desrespeitá-lo quando já o conheciam demais para o temer? A vida depois dos trinta quer-se calma, ponderada. Em curso. Com olhos brilhantes de orgulho pelos seus descendentes... 
Mas há vidas depois dos trinta com brilhos nos olhos, mesmo sem descendentes..."

Decidiu que iria parar na próxima estação de serviço. Tomar uma água, ligar à Marília e voltar a casa como se uma reunião tivesse acabado mais tarde do que o previsto.
Voltar a casa, tirar os sapatos, encostar os seus lábios por milésimos de segundos aos dela, dar-lhe um sorriso, responder que estava cansado, comer o jantar deliciosamente preparado, senti-la olhar para si, perguntar se precisava de ajuda para tratar da louça, sentar-se no sofá, interessar-se por um debate de ideias na televisão, senti-la sentar-se ao seu lado, deixá-la encostar-se no seu ombro, mudar de canal as vezes necessárias até ela adormecer. Acordá-la, irem para a cama, dormir, acordar, levantar, tomar banho... Decidiu que iria fazer aquele telefonema e viver a vida como sempre tinha sido, ordenada, lógica,previsível. 
"Sim, era isto que tinha que fazer! Era um homem de respeito. Tinha obrigações, tinha responsabilidades profissionais. Não ficava bem perder a cabeça assim... 
Sim! Era mesmo isso que ia fazer, porque era um covarde e tinha medo do que podia estar à espreita. O que diria a sua mãe? 
Sim! O melhor era voltar à sua vida e deixar-se de idiotices..." 

Parou o carro bem em frente à estação de serviço. As luzes fortes e a quantidade de pessoas impressionaram-no. Nunca antes tinha parado numa estação de serviço. Realizava as suas viagens rápida e comodamente no seu carro topo de gama e nunca lhe tinha passado pela cabeça simplesmente parar... 

Era uma amálgama de gente que via e tinha vontade de voltar já para trás. Sentia-se deslocado, enorme, como se o deslocar do seu corpo não combinasse com o contexto, via-se grotescamente diferente dos outros. O seu polo piquê, os seus mocassins, o relógio de marca, tudo parecia demasiado clean para o espaço. 
Marcou o número e enquanto chamava levantou os olhos para falar com a empregada do balcão. A primeira coisa que lhe saltou à vista foram os carnudos e maravilhosos lábios vermelhos, abertos num sorriso aberto, verdadeiro, branco... 
Marília atendera do lado de lá e ele, como que por magia não sabia o que dizer a nenhuma das duas. Desligou a chamada, recompôs-se e pediu um café, pedindo desculpa pelo impasse, enquanto ela fazia um gesto de descaso e perguntava, sempre a sorrir: 
- É só? 
- Sim. - respondeu ele, reparando na forma como ela baixou os olhos para a caixa registadora, deixando a descoberto a sombra preta que marcava o contorno dos olhos e umas enormes e volumosas pestanas. 
Quando ela voltou com o café chamaram-lhe à atenção as mãos finas e as unhas de cor vermelha. Forte. Nunca gostara especialmente deste tipo de mulher. Marcadamente produzida! Marcadamente sedutora! Mas fosse por ser esta ou fosse pelo momento, tinha-lhe prendido a atenção. 

Atrás do balcão estava outra rapariga mais discreta, mas que não parava de olhar para ele e dar sorrisinhos. Já sem grande vontade de ligar para casa, sentia a adrenalina a subir-lhe pelas pernas acima, dificuldade em estar quieto. Sentia o sangue a espalhar-se pelo corpo e uma inexplicável vontade de sorrir.

Tentava disfarçar a falta de controle, mexendo no ecrã do telemóvel quando sentiu um perfume forte, a orquídeas. Levantou ligeiramente os olhos e viu as suas pernas. Perfeitas, mal tapadas pela saia curta da farda que usava. 
Agora sim, estava a perceber o interesse dos seus colegas em andar por aqui e por ali. Habituara-se a ver as mulheres em situações de trabalho, discretas, elegantes, suaves. Há muito tempo que não via ninguém com roupa tão justa nem certamente com umas pernas tão longas!
Para sua enorme surpresa, ela virou-se para ele depois de limpar a mesa à sua frente e caminhou na sua direcção. Achou que ela ia passar por ele e limpar a mesa atrás de si, mas  parou mesmo ao seu lado.

Ele ergueu de novo a cabeça para olhá-la na cara, o que se tornou difícil quando ela se curvou, distraindo-o com a magnífica vista do seu decote e lhe disse baixinho:
- Eu e a minha amiga saímos às onze. Estamos a pensar ir beber um copo à cidade. Não nos quer acompanhar?
De novo aquele sorriso, aquele olhar de brincadeira, o cabelo comprido e negro, tocara-lhe na mão quando ela se curvou. Era macio e também cheirava a perfume.
- Como? -perguntou para tentar ganhar tempo. Sabia que devia ser mais atrevido, mas tinha sido apanhado de surpresa, não sabia o que dizer.
Atrás do balcão ria-se a amiga cada vez mais alto e comentava qualquer coisa com dois homens que estavam no balcão.
- E aqueles dois também vão? - perguntou
- Não sei. Talvez! Faz alguma diferença?- respondeu ela, endireitando o corpo e puxando o cabelo para trás com a mão.
- Não sei.
- Ok. Fica o convite. Às onze! - piscou-lhe o olho e regressou para trás do balcão.

Ele levantou-se imediatamente e saiu para a rua para se esconder dos olhares. O que havia de fazer? Ir, não ir... Lembrou-se da cara do Daniel ainda esta tarde a contar mais uma das suas aventuras. Ele parecia satisfeito.
Mas esta mulher era tudo de errado. Era demasiado bonita, demasiado atrevida, demasiado solta. E também demasiado inebriante... 
Entrou no carro, pôs o carro a trabalhar e o telefone tocou. Era Marília.
Quem? Até já se tinha esquecido dela. O que lhe iria dizer? Se quisesse sair com a rapariga do café teria que inventar uma boa desculpa.O que poderia dizer? O que queria dizer? E se não dissesse nada?
O telefone parou de tocar.
Era isso mesmo, não ia dizer anda.
De novo uma chamada de casa. Olhou para o relógio. Faltavam vinte minutos para as onze. Era agora ou nunca.

Desligou o telefone e decidiu esperar. Assim que o relógio marcou as onze horas ela saiu do café. Parou em frente da porta e puxou de um cigarro. A luz do isqueiro iluminou-lhe o rosto. Lindíssima, sem dúvida. 
Acendeu o cigarro, deu a primeira passa, expirou o fumo e sacudiu a cabeça, como quem atira para trás das costas todas as preocupações. Franziu os lábios, fechou um pouco o casaco no peito deixado a descoberto pelo pequenino vestido de Verão. Ela olhou em frente, diretamente para o seu carro. Será que o conseguia ver? 

Não teve tempo para pensar nisso, porque a ela se juntaram a amiga e os dois homens, em passo acelerado como quem a chama para irem embora. Ele abriu a  porta do carro e ela voltou a olhar na sua direção e abrir o seu rasgado sorriso. Os restantes e ela caminhou até ele. Perfeita!
- Sabia que ias esperar! Sou a Flor. - disse ela, e sem parar por um segundo, colocou a mão no seu ombro e aproximou-se dele beijando-o na face. 
A proximidade inesperada deixou-o uma vez mais sem reacção ou pelo menos sem uma reacção que pudesse utilizar para estabelecer qualquer tipo de conversação e não parecer uma qualquer espécie de atrasadinho.
- Luís. - disse apenas, sem saber que mais acrescentar.
Mas ela também não parecia muito interessada em conversar:
- Vamos lá então? - disse, enquanto rodeava  o carro e abria a porta do passageiro.
Quando a viu entrar e sentar-se, apercebeu-se de que nunca outra mulher tinha entrado naquele carro para além de Marília ou da mãe, por isso nunca tinha havido perfumes fortes ali dentro, nem pernas bronzeadas, a descoberto, pousadas diretamente no cabedal bege. De novo um arrepio! E o medo: como faria para fazer desaparecer o cheiro daquele perfume agora ainda mais intenso.
- Nunca te vi por aqui. Estás em trabalho ou em passeio?
Ela falava solta e despreocupada como se estivessem a falar no banco de um comboio ou na fila do supermercado quando a senhora da frente quer trocar o pacote de farinha que afinal está rebentado e faz com que todas as outras pessoas da fila se apercebam do acrescento na demora e comecem automaticamente uma conversa com a pessoa mais próxima que nunca mais terá continuação.
E era assim que ela falava com ele. Desprendida, sorridente, como se tudo o que dissessem não passassem de pequenos fios de pesca que os iam unindo de forma invisivel e ténue e que facilmente poderiam ser quebrados. Como se a sua beleza não fosse o suficiente para lhe toldar o pensamento, como se fossem amigos de velha data e ele não sentisse já uma imensa atração física por ela.
- Agora? 
- Não. agora não, claro. Mas passas por aqui muitas vezes? De onde és?
- Hum...
- Pronto, esquece, já percebi. Não queres falar. Por mim é na boa! Também não tenho particular interesse na tua vida pessoal.
- Então em que é que tens interesse?
- Em ti ou no geral?
Ele sorriu:
- Pode ser no geral para começar. 
Luís lembrou-se da conversa dessa tarde com o amigo Daniel e como ele defendia que as mulheres adoram falar e que o melhor é fazer-lhes perguntas em que elas possam falar muito e em que um gajo finja que está a ouvir. Segundo ele, elas ficavam felizes e eles tinham menos probabilidades de se enterrar e estragar o arranjinho. Pelo sim pelo não era melhor seguir o conselho já que era novo nestas andanças.
- Isso no geral é demais para esta hora da noite, mas vejamos... Em geral, interesso-me por homens com aspeto de controladinhos, como tu...
"Controladinhos"? Ele não percebeu o que ela queria dizer.
- Então pareço-te controladinho, é isso?
- E não és?- atirou ela, mordendo o lábio, enquanto sorria, num claro sinal de provocação.
- Se fosse controladinho não estava aqui, não achas?- defendeu-se ele, olhando fixamente a estrada.
- Não, não acho! Fui eu que te convidei. Tu só tiveste que aceitar. Tal e qual como todos os outros controladinhos.
"Que todos os outros?" Ele percebia que claramente ela estava em vantagem e parecia estar a tirar prazer dessa situação, o que o deixava ainda mais nervoso e incapaz de reagir.
Pouco depois, pediu-lhe que parasse o carro e disse que o bar era mesmo ali. Abriu a porta, saiu do carro, deixou que o vestido subisse como se o fato de ele ver o seu corpo fosse natural e bateu com a porta.

"Mas que idade é que ela tinha? Parecia uma miúda em pulgas para ir ver o espetáculo no gelo."
Quando finalmente ele saiu do carro, ela estendeu-lhe a mãe e puxou-o, literalmente, pelo braço, num passo apressado, pelas ruas de calçada antiga e tortuosa da parte velha da cidade. 
Depois de andarem um bocado, sempre com ela à frente dele, ela entrou por uma porta que dava acesso a uma cave mal iluminada, onde estavam dois seguranças que prontamente a cumprimentaram como se a vissem todos os dias.
Ela tirou o casaco, agarrou nos dois cartões, olhou uma última vez para ele, piscou-lhe o olho e abriu a porta de vidro.
Todo o ser ser foi invadido pela música forte, pelo espelhado das luzes, pela imensidão de pessoas onde a viu perder-se na escuridão.
No meio da multidão de pessoas que dançavam e conversavam apesar do volume da música, ela lá encontrou a amiga e os dois homens que o cumprimentaram com um aceno de cabeça, enquanto ela segredava qualquer coisa à amiga.
Voltou a puxá-lo pela mão e levou-o até ao bar:
- Vamos beber um shot. O que queres?
"Um shot? Não fazia ideia. Não bebia um shot desde a altura da faculdade e não tinha dúvidas de que não tinha cem à escolha como naquele bar."
 Enquanto olhava, incrédulo, para a lista escrita na parede do bar respondeu sinceramente:
- Não sei!
- Pois, já percebi! Não te preocupes! Eu escolho e até pago este. O seguinte escolhes tu!
"O seguinte? Ainda nem tinha bebido o primeiro e já ela estava a pensar no segundo. Esta miúda era completamente maluca!"
Mas assim foi. Ainda mal tinha conseguido acalmar o ardor na garganta provocado pelo primeiro quando ela disse, assim que pousou o copo no balcão.
- É a tua vez de escolher. - desafiando-o com o olhar
- já te disse que não os conheço.
- Arrisca...- disse-lhe ela bem pertinho do ouvido, deixando-o o confuso sobre de que tipo de risco estava a falar.

Depois de algum impasse, ele escolheu. Os dois pequenos copos esverdeados apareceram no balcão em ar de desafio. Ela ria para ele, como se estivessem num carrocel. Pegou no copo com as suas mãos finas, encostou-os aos lábios vermelhos e inclinou a cabeça para trás.
Ele ficou fascinado com o seu pescoço, com a pequena corrente que pousava sobre a sua pele bronzeada, pela curva dos seus seios. E bebeu também o seu shot.
Voltaram para a pista, junto dos outros. Ela não falou mais com ele.
Ela dançou e dançou, trocando com ele olhares e sorrisos. 
Ele via-a mover o corpo, erguer os braços, morder o lábio, numa evidente manifestação de alegria e prazer e esquecia minuto a minuto cada uma das razões que tinha para não estar ali.
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